Audição
Certamente você já teve que explicar novamente a sua ideia ou teve que retomar a conversa porque o amigo estava usando o celular e não lhe deu atenção. Provavelmente alguém tenha procurado lhe contar alguma informação importante, mas você não escutou direito.
Todos temos necessidade de ser ouvidos, especialmente sobre assuntos que nos trazem desafios na convivência, na execução de algum projeto, ou sobre alguma questão que está nos incomodando. Não ser escutado com atenção pode virar um problema em cima de outro problema!
Uma pesquisa realizada no Canadá apontou que mais de 60% dos homens que são pais se aproximaram dos filhos por conta da quarentena , estão escutando mais seus filhos e suas esposas.
A base da Mediação é a escuta ativa.
O mediador deve ter uma atenção interessada para conseguir auxiliar as pessoas que estão no impasse, fazendo-lhes perguntas adequadas e ajudando-as a que se encaminhem para as suas melhores soluções.
Escutar com atenção e interesse demonstra respeito, demonstra que a pessoa está incluída na solução, demonstra que o outro é importante. A mediação é um processo de diálogo: muitas vezes a retomada da conversa é necessária por não termos sido ouvidos com o devido zelo.
É comum, na mediação, os participantes agradecerem por terem sido ouvidos. Nesse agradecimento se esconde o pedido de que, nas próximas interações, o outro possa também escutar, e gera um comprometimento de ouvir o outro.
Será que não evitaremos um problemão à frente se investirmos um tempo a mais com os nossos familiares? Será que colocar o celular de lado enquanto a esposa manifesta sua preocupação não poderá fortalecer o relacionamento? Será que a tabela no notebook não poderá esperar um pouco enquanto nosso sócio divide suas angústias?
Construir uma relação ganha-ganha depende muito do nosso esforço de escutar.
Olfato
“Essa situação não cheira nada bem”, dizia aquele pai que procurava a mediação para auxiliar a relação entre os filhos. De fato, enquanto ele falava das brigas dos irmãos, o bom cheiro do café que era servido à mesa ia desaparecendo.
O olfato é o primeiro sentido que se desperta em nós ao nascermos. Todos os demais sentidos vão se desenvolvendo com o passar dos dias. Nas relações societárias – especialmente aquelas em que o elemento família está presente – o olfato é o sentido figurado para identificar quando as coisas já fugiram do nosso controle, mas é o sentido literal quando damos falta do cheiro da comida de domingo, porque já não nos reunimos mais.
Estudiosos dizem que temos mais de 25 milhões de células olfativas. Quer colocar isso à prova na realidade do agro? Basta participar de um cupping, a classificação do café. Antes mesmo de colocar a água para degustar o produto, o analisador identifica a qualidade através do cheiro. O café pode perder muitos pontos – ou mesmo desclassificar – por conta do cheiro.
E o mesmo acontece nas nossas relações. Pode ser que muitas conversas sejam perdidas por não identificarmos o rumo para onde estamos levando o assunto. Quantas ofensas poderiam ser evitadas, quantas mágoas poderiam ser resolvidas e quantas desacertos poderiam não ter acontecido, se identificássemos o cheiro de fumaça; e onde há fumaça, há fogo.
A mediação é uma ferramenta que ajuda as pessoas a identificarem a qualidade das relações e o ambiente no qual se encontram, a fim de que possam tomar consciência de que somos interdependentes, e que as nossas decisões sempre afetarão – para bem ou para mal – a outras pessoas, sejam elas familiares, sócios, colaboradores, parceiros comerciais, fornecedores, etc.
Utilizar métodos adequados para diferentes tipos de atritos é uma medida inteligente e eficaz. Num panorama de variadas possibilidades, a mediação tem auxiliado muitas famílias a criar soluções sustentáveis, olhando para o futuro, resolvendo pendências do passado, que já cheiram a mofo.
Paladar
Nos tempos não muito distantes de nós, antes que as geladeiras fizessem parte das nossas casas, alguns alimentos eram conservados à base de muito sal. Nas mesas nordestinas, carne de sol e nas do sul, o charque. Lá e cá, a situação mudou, os refrigeradores conservam nossos alimentos, mas o paladar continua exigindo um bom tempero.
A palavra tempero também é base de outra palavra, temperamento. Assim como acontece com as especiarias, que são mais adequadas com determinados alimentos, também nosso comportamento é temperado pelas experiências da vida, pelos ensinamentos que recebemos da nossa família, dos lugares que frequentamos, dos tropeços e das vitórias…
O casamento talvez seja uma das melhores formas de ver como os temperamentos humanos devem combinados para que dê um sabor agradável ao paladar. Unir-se a uma pessoa de outra cultura e de outras vivências é um grande desafio para o casal, para as famílias de origem e para o negócio familiar. A receita vai se tornando mais complexa conforme se vão somando elementos diferentes.
E quando a vida a dois começa a se tornar um desafio maior do que se esperava, algumas pessoas recorrem a meios que podem causar ainda mais amargor. Se considerarmos que os conflitos familiares têm uma escalada – começando pelo mau humor com o outro até chegar a consequências nefastas –, veremos que muitas famílias trocam apressadamente a mesa da cozinha pela mesa de um tribunal.
Em ações litigiosas envolvendo famílias os “vencedores” nunca são os familiares, por mais que alguém leve a maior fatia do bolo. O processo litigioso enfraquece a empatia e a chance de um diálogo construtivo, desgasta energia, emoções e dinheiro, e põe em dúvida as parcerias e investimentos externos.
Na mediação, os segredos de receitas familiares são conservados. A confidencialidade é princípio da mediação. O mediador – conhecendo que as pessoas têm temperamentos diferentes – faz o preparo individual dos integrantes, para que possam se reunir e conversar sobre as diferentes percepções.
As relações podem ter ganhos mútuos, desde que as pessoas envolvidas no impasse queiram seriamente trabalhar para encontrar a melhor e mais sustentável solução. Além da agilidade, da redução de custos e do desentrave de outras pautas, a mediação ajuda a que se construam soluções customizadas. É um trabalho artesanal, como é um bom almoço de família.
Tato
O acordo fechado se formaliza com a assinatura do documento, mas a imagem que fica mais gravada nas nossas mentes é o aperto de mãos. A negociação bem conduzida traz às pessoas a certeza de que os esforços valeram a pena, e que – independentemente do rumo que tomaram no acordo – estarão juntos e saberão gerir seus problemas futuros de uma forma mais inclusiva e construtiva.
Em tempos de pandemia, é preciso reinventar os sentidos, a fim de que também os acordos que estão sendo realizados de modo remoto tenham a mesma sensação do aperto de mãos. Algumas famílias, especialmente as de origem oriental, utilizam muito o olhar ou o gesto com a cabeça e com as mãos para selar o entendimento. Em outras famílias, o fio do bigode ainda é o modo como são feitas as combinações.
Os acordos que são realizados a partir da mediação têm características comuns às famílias empresárias, mas com o grande diferencial do elemento amor à terra. O contato com a terra é algo profundamente caro para os produtores e suas famílias, há um quê de transcendência, que compreende para além do momentâneo acordo e das pessoas que o realizam: a terra veio com esforço, foi transmitida com suor, e tudo o que a ela se refere terá alto valor. Por isso, o trabalho de mediação precisa ter como base essa fundamental característica.
A semente de boa qualidade somente poderá produzir os frutos que dela se esperam se fecundar a terra. Do mesmo modo, o acordo de boa qualidade no agronegócio somente poderá produzir seus frutos caso as pessoas que se envolveram no impasse estejam dispostas a uma nova forma de relacionamento, de tato e trato, umas com as outras. A semente boa da mediação, uma vez que entrou em contato com a família, produz frutos que devem permanecer por muito tempo.
É por essa razão que, mesmo quando os encontros são realizados virtualmente e que não o contato físico não é possível (não apenas pela pandemia, mas também porque algum parente ou sócio está longe), a mediação pode ser bem realizada e conduzida. A experiência tem mostrado que muitas famílias estão utilizando plataformas virtuais para acertarem já seus impasses. Assim, quando for possível o contato físico novamente, os familiares e sócios possam tratar de outros assuntos, e aproveitar a companhia inviabilizada pelo motivo que for.
Abrir-se para a possibilidade da mediação virtual é uma prova clara de que se ama o contato com a terra e que se respeita a tradição e a história, que se respeitam os laços familiares e que se busca o melhor para o negócio. Seja cara a cara ou tela a tela, a qualidade do trabalho é a mesma, tendo as vantagens e os desafios próprios de cada atuação.
O tato presencial pode ter sido suspenso por agora, pela cautela consigo mesmo e com o outro. Porém, não estão suspensos os motivos para fazermos bons acordos. Aliás, as oportunidades têm aumentado bastante de resolvermos nossos conflitos. Como se dará o próximo aperto de mãos para celebrar uma solução? A resposta está nas nossas mãos!
Visão
Todo produtor sabe que existem pragas que são praticamente invisíveis, e que, no entanto, podem causar grandes prejuízos à lavoura. Algumas exigem monitoramento desde o início da safra, para que a lavoura possa crescer e dar o retorno esperado à família.
Os conflitos são como as pragas: a alguns conseguimos ver bem; outros crescem pela nossa falta de cuidado, outros persistem porque não cremos que eles serão prejudiciais. E há outros que, por economia operacional, são atacados somente naquilo que se vê, deixando correr solto o perigo de reinfestação.
A mediação no agro é o olho apurado do produtor e de sua família.
Se é verdade que, para atacarmos as pragas na lavoura, precisaremos coletar amostras de vários pontos diferentes, também é verdade que na mediação precisaremos entender qual é o ponto de vista de cada um dos envolvidos no impasse.
Muitas vezes os filhos irão divergir da forma como o pai vê a situação, ou alguns sócios terão desencontro no que se refere à visão que os outros têm. Essa visão diferente, ao invés de atrapalhar, ajuda a que se chegue mais longe, desde que se tenha vontade de se construir uma relação de ganhos mútuos atuais e futuros.
Você já tentou ver como a outra pessoa vê? Consegue perceber que, por mais que se pertença à mesma família, há uma perspectiva diferente, com projetos e experiências pessoais diferentes dos seus? Consegue incluir a visão do outro na construção das melhores soluções?
Não basta que apenas se veja a praga na lavoura, como tampouco basta que se veja o conflito: é indispensável que haja pessoas habilitadas cuidando do tratamento. Às vezes será suficiente que algum membro da família ajude na solução, porém outras ocasiões exigirão que um profissional que vê de fora auxilie na tomada de decisões.
E aí, a mediação faz sentido?
Henrique Souza e Silva